sexta-feira, 27 de março de 2009

A? LEI SECA? E SUA INOQUIDADE NA SOLUÇÃO DAS CAUSAS DETERMINANTES DOS PROBLEMAS DO TRÂNSITO NO BRASIL.
Rita de Cássia Andrade
A Lei 9.503/97, o caput do art. 165 definia em 6 (seis) decigramas a dosagem de álcool por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.
E, o § 3º delibera que na hipótese de aferição da quantidade de álcool no sangue seja feito por meio de teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), a margem de tolerância será de um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.
Trata-se, portanto, de uma repressão absoluta, manipuladora, sem um critério razoável e equilibrado na analise de ingestão de álcool e a pratica de direção de veículo automotor. Pois não se pode comparar o estado psíquico de uma pessoa que durante o almoço tomou uma taça de vinho, com outra que passou a noite na diversão e tomou um litro de whisk. Mas pelo texto da lei atual, se flagradas, receberão a mesma penalidade criminal, civil e administrativa.
Já os §§ 2º e 3º do art. 277, estatuem que:
§ 2º A infração prevista no art. 165 deste código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito, caracterizada por outras provas em direito admitidas, acerca de notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
E o § 3º diz que ?serão aplicadas medidas administrativas estabelecidas no ar. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos neste artigo?(NR).
Pela redação dos citados dispositivos, na hipótese de inexistência de bafômetro ou outro mecanismo para medição da dosagem alcoólica, o agente de trânsito tem o poder discricionário de determinar por mera avaliação visual o estado de embriaguez do condutor, o que pode levar a erro gravíssimo tanto na configuração da infração, como na aplicação de multa administrativa, podendo haver condutas arbitrárias, dependendo do animus do agente, das circunstâncias, e da pessoa do suposto autor da infração.
Eis porque percebemos, em toda a linha, a visão de uma lei autoritária, despótica, que fere os princípios constitucionais da liberdade e da dignidade da pessoa humana, cuja fórmula compulsiva não prospera, por ser de difícil aplicação dada à carência de recursos materiais e humanos para um controle abrangente e efetivo, e não apenas de
Penas ? detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se submeter à permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor.
O Decreto 6.488/08 que regulamentou a lei 9.503/97, de modo arrogante, estabelece a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, a seguir:
I ? exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou
II ? teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.
De tudo visto, observa-se que o Decreto 6.488/08, já imprimiu algumas alterações no texto inicial da lei 9.503/97, fixando, ainda que provisoriamente, a tolerância em dois decigramas para todos os casos previstos no art. 165. E, na hipótese do art. 306, fez uma divisão entre exame de sangue e teste em aparelho alveolar, com nível de tolerância variável.
Seja como for, o certo é que temos duas situações que podem ser analisadas distintamente sobre as margens de tolerância de consumo de álcool no trânsito, uma que se consuma por uma quantidade de álcool ou substancia psicoativa, com limite de permissão de duas decigramas por litro de sangue para todos os casos, prevista no artigo 165, e outra que se desdobra através de diferentes testes de alcoolemia, ou seja; por meio concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue, e mediante o teste em aparelho alveolar, com concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido, modificação introduzida pelo art. 2º, incisos I e II do Decreto 6.488/08.
Sabemos que violência campeia em nossa sociedade, violência no trânsito, nos lares, nos bares, nos centros urbanos, nas escolas, nos estádios de futebol, mas tudo tem uma causa que vem da origem, que é a falta de educação, estrutura familiar, justiça social, credibilidade nos poderes constituídos, impunidade, corrupção, e não será uma norma casuística, de efeito momentâneo que irá resolver um problema dessa extensão, sério, e crônico, como o nosso trânsito.
A propósito, o Congresso Nacional, no seu mister de legislar, e demais atribuições internas, toda vez que age de forma abusiva, exercita uma forma de violência moral contra a sociedade, causando pavor coletivo, incredulidade e reação desordenada. E a Lei 11.705/08, que altera dispositivos do CTB, é um exemplo dessa realidade, pois no afã de reduzir o número de acidentes nas ruas e rodovias do país, acabou violentando a ordem jurídica constitucional, ferindo direitos e garantias fundamentais do cidadão, além de agredir a harmonia social.
Expostas as alterações feitas no atual Código de Trânsito, e observando-se a positividade do regramento anterior, salvo melhor juízo, não vimos à necessidade das alterações trazidas pela Lei 11.705/08, pois o texto original do CTB já trazia grafadas todas as previsões normativas sem exacerbação, necessitando apenas de uma correta aplicação e fiscalização por parte das autoridades competentes.
É certo que álcool e direção não devem se misturar, e uma lei que acene com a redução da violência no trânsito, através de uma ampla fiscalização e divulgação das implicações da regra será bem vinda para a sociedade, mas deve existir razoabilidade e proporcionalidade entre a gravidade do delito e a penalidade a ser imposta, pois a norma jurídica é um conjunto de imperativos carregados de valor, e este só pode ser concebido quando antes tenha sido elaborado um juízo de valor correspondente, há de decorrer de um motivo e que esse motivo se apresente sob a forma de uma valoração que lhe corresponda, sob pena de não passar de um enunciado hipotético.
A critica que lhe tem sido dirigida, como se vê, é de deixar tal norma vagando numa zona indefinida, fazendo companhia para a lei do Kit de primeiros socorros obrigatórios, lei de proibição de venda de bebida para menores de18 anos, lei do desarmamento, lei do abate, lei que de preferência no andamento de processos dos maiores de sessenta anos, estatuto do idoso e tantas outras que caíram no vazio. Enfim, a conclusão que nos parece viável, é que governo deveria promover campanhas de educação e conscientização da população das normas já existentes, como disse Juan Anazco em artigo publicado em espaço jurídico? um povo que não é educado desconhece seus direitos e deveres, suas responsabilidades, seus limites, sua necessidade de comprometimento para com a família e a sociedade?. Vivemos em um país democrático, que não assimila mais tanto radicalismo, onde a Constituição Federal assegura direitos e garantias aos cidadãos, inclusive de negar-se a produzir provas contra si mesmo, seja através de bafômetros, coleta de sangue ou confissão, em qualquer circunstancia ou finalidade.
Há, ainda, outros pontos a discutir na analise dessa norma. Referimo-nos, às questões práticas do dia-a-dia, notadamente nas abordagens da polícia contra inocentes, a exigência de propinas, pois sabemos que existem bons e maus profissionais em todos os seguimentos da sociedade, afinal policiais desonestos podem arruinar a vida de uma pessoa de bem, apenas utilizando o seu depoimento como meio de prova durante a fase inquisitória e judicial, caso tenha os seus interesses contrariados.
Trata-se também de uma lei desencadeadora da harmonia familiar, pois se o homem não pode beber uma cerveja fora de casa, no final de semana, vai beber em casa, em maior quantidade, e isso pode provocar desavenças, desentendimentos, agressões físicas e morais contra a família, e acabar ferindo outras normas como a lei Maria da Penha e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A evolução do direito deve seguir os passos da evolução da sociedade, e as alterações introduzidas no Código de Transito Brasileiro, surge na contramão de todo o processo de crescimento e desenvolvimento da nação, relembrando os atos da ditadura militar, onde o país era governado não pelos poderes constituídos, mas pela força de um general, o que não se ajusta pelo menos com a essência da ordem jurídico constitucional do momento, que tem no topo da pirâmide normativa uma Constituição cidadã, listando como fundamentos e objetivos da República a dignidade da pessoa humana, através da convivência em uma sociedade livre, justa e solidária.
A Lei 11.705/08, é sinônimo de radicalismo, repressão absoluta, e portanto, já nasceu morta. Induvidosamente é um modismo, de cunho tipicamente sensacionalista, que não representa a? vontade da fonte do direito? que é o povo.
O Código de Transito Brasileiro de 1997, já foi elaborado com o espírito de combater a violência no trânsito, agravando a pena do condutor que dirige embriagado, de modo que não temos deficiência de legislação, mas de aplicação e fiscalização por parte dos agentes públicos.
O que pretendemos mostrar, na verdade, é o caráter efêmero dessa lei, sua índole desonesta e oportunista, cuja incidência normativa é vaga e desordenada, de vigência que pode até perdurar no tempo, mas lhe faltará a eficácia social. Pois como já dissemos, o legislador deve atacar as causas que levam a estatísticas tão altas de acidentes e mortes no trânsito, pois combater os efeitos parece uma solução pratica demais diante de da diversidade de motivações que levam a esses resultados, pois é mais fácil educar uma criança do que punir um adulto. E, se o Estado não se preocupa em construir uma boa base na formação da juventude de hoje, não pode exigir a construção de um grande homem do amanhã.
Ao invés dessas proibições esdrúxulas, o governo deveria construir e manter melhor infra-estrutura das rodovias, com boa sinalização, as quais, em muitas regiões, se apresentam em péssimas condições de tráfego, além de imprimir outras ações que possibilitem maior segurança no trânsito,
Por fim, embora o Poder Legislativo em junção com o Executivo, faça imperar essa construção jurídica sobre o espírito da população, a mesma não tem nada de democrática no sentido popular, pois, além de não alcançar os fins propostos, não terá aplicação igualitária, seja pela falta de recursos materiais e humanos, seja pela própria força do costume, pois em um país das desigualdades, somente os menos abastados vão ser penalizados, e as estatísticas sempre estarão aumentando com relação aos acidentes de trânsito, se o governo não buscar outros caminhos de transformação estrutural do problema, sem descurar a importância do papel civilizatório do Direito, nem o valor da função programática e pedagógica de uma legislação racional e eficaz.

Juíza de Direito
João Pessoa Julho/2008

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